A Padaria Espiritual foi uma agremiação cultural das mais antigas e singulares que o Ceará já teve e que marcou a cidade de Fortaleza no final do século XIX. Inicialmente composta por jovens escritores, desenhistas, pintores e músicos, a Padaria teve sua origem no Café Java, e seu objetivo principal era despertar o interesse da sociedade pelas letras e artes.
Nas palavras de Antônio Sales, um de seus fundadores:
A Padaria foi uma reunião de rapazes de Letras e Artes, surgida no final de maio de 1892, no Café Java, quiosque no estilo art nouveau, de propriedade do hilário Mané Coco, que ficava na esquina nordeste da Praça do Ferreira. (SALES, Antônio. Retratos e lembranças)
As reuniões da Padaria, chamadas fornadas, a princípio marcadas pelo espírito jovial e boêmio de seus membros, tinham caráter sério. Os Padeiros, como eram chamados seus integrantes, dedicavam-se a publicar livros e realizar debates sobre literatura e artes em geral, sem excluir a crítica social, pois, diferente dos grêmios intelectuais anteriores, a Padaria se distinguiu por fazer a sátira dos valores capitalistas que buscavam homogeneizar todas as diferenças culturais.
Em 30 de maio de 1892, para oficializar a existência da Padaria Espiritual, o romancista e poeta Antônio Sales desenvolveu o Programa de Instalação, que consistia em 48 itens, e apresentou-o aos demais membros. Em seguida, para perpetuar seus ideais e difundir a cultura na sociedade de forma permanente, os membros dessa agremiação original, que antecipou alguns aspectos dos ideais do programa da Semana de Arte Moderna de 1922, decidiram criar algo genuíno que valorizasse a cultura cearense. Foi assim que surgiu o jornal da Padaria, intitulado “O Pão”, cuja missão era nutrir o povo com literatura e arte, que alcançou grande destaque na Fortaleza da época. Distribuído em várias outras cidades do Brasil e elogiado até mesmo em Portugal, o jornal publicou mais de 200 poesias e 60 narrativas em 36 edições.
Todos os integrantes da Padaria tinham um pseudônimo, chamado nome de guerra. Assim, Antônio Sales, seu idealizador, que se contentava em ocupar o cargo de secretário (Primeiro-Forneiro), chamava-se Moacyr Jurema, em referência à fundação do Ceará. O Presidente da agremiação denominava-se Padeiro-Mor, havendo três ao longo dos seis anos de existência da instituição. O primeiro Padeiro-Mor foi Jovino Guedes (1892-1894), chamado “Wenceslao Tupiniquim”; o segundo foi José Carlos Júnior (1894-1896), o “Bruno Jaci”, que deu mais seriedade ao grupo e enfatizou a atividade literária, e o terceiro foi Rodolfo Teófilo (1896-1898), que se chamava “Marcos Serrano”.
Nas palavras da escritora Regina Fiúza, “a Padaria Espiritual, enquanto existiu, foi muito importante não só para a Literatura cearense, mas para toda a Literatura do Brasil”.
Sem dúvida, ao longo de sua existência, a Padaria Espiritual desempenhou um papel fundamental não só na promoção das letras e das artes, mas também na formação da identidade cultural do Ceará, deixando um legado duradouro que ainda é lembrado e valorizado até os dias de hoje, 132 anos após sua fundação.